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Em arte, tudo está naquele "nada".

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Mecos da estrada

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#Urbanism

Uma manhã acordou preguiçosa, nem lhe acudiu que fosse o menino a mandá-la ficar deitada, com muito custo pôs as pernas ao caminho, levava uma moinha nos rins, não há-de ser nada, lá pelas nove horas uma dor que ia da barriga para as ancas, daí a nada outra, riu-se, Deolinda acho que me chegaram as dores, mas já tenho tido e não aconteceu nada, só que agora, ai, lá vem outra, a ver se me aguento até à hora da calma.
Aguentou. Não comeu o pão com azeitonas que a tia Maria lhe dera de farnel, estava assim meia leve, como se tudo por dentro se lhe despegasse, Deolinda, vou ali atrás do sobreiro, e mal se levantou uma água quente escorreu-lhe de dentro, tanta, valha-te Deus, mulher, são as águas, vai já de caminho, se não queres que te nasça aqui no meio do trigo.
Foi andando, à cabeça a cesta com a foice, a merenda e o xaile, as mãos na barriga, Deus não permita, é só meia légua, nem chega, pôs-se a contar os mecos da estrada, menos um, menos um, e de repente uma dor tão grande, tão avassaladora de cima a baixo, era rins era costas era pernas, ai que eu morro, eram as ancas, os ossos do rabo a puxar para os lados, mas o que é isto, pensava que as dores eram na barriga, qual quê, isto é tudo, Nossa Senhora da Boa Hora me valha, mais outra dor, mais outra, já não despegam, ia-se encostando à beira da estrada, está quase, já além vejo o olival e depois a horta da tia Maria que me há-de acudir.
Conseguiu avançar um pouco mais, agarrou-se à primeira oliveira que lhe apareceu, depois à outra e à outra para que a não vissem da estrada e então as dores mudaram, já as percebia melhor, eram direitas de cima abaixo, uma ânsia, uma vontade de fazer força. Estendeu o xaile na terra, acocorou-se e puxou, duas, quatro, seis vezes. À sétima tocou e sentiu a cabeça de cabelinhos ralos, começou a rir com os nervos, era riso e choro e não sei que alvoroço, é o menino, Deus o traga perfeito, é agora, um grito de mulher rasgada, ele aí está resvalando-lhe pelas coxas ensanguentadas, pegou na foice, cuspiu-lhe, cortou o cordão, deu-lhe um nó, enrolou-o. O choro do filho coroou aquela tarde de glória, olhou em volta à procura de um poço ou regato, não viu, molhou as mãos na boca e limpou o sangue do rostinho engelhado, levou-o junto à cara, beijou-o, era um rapaz.

Excerto do livro «Os Pássaros de Seda» de Rosa Lobato Faria.

  Informação técnica

Fotografia N.º: 3200
Publicação: 2018-02-07
Grupo: Urbanismos
Câmara: NIKON D90
Abertura: f 8
Distância focal: 26 mm (35mm equiv.: 39 mm)
Velocidade do obturador: 1/400 sec
Flash: Não Disparado

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  Comentários

Existem 21 pontos de vista. Quem será o próximo?
MCJKMOMSWLDQCLLMAERAR
01
M
Martine Libouton
em 2018-02-07 09:11:34

J'aime beaucoup ta photo très belle perspective!

02
C
Chica
em 2018-02-07 09:18:27

Ficou muito linda a foto! Adorei as cores nela! abraços, chica

03
J
JoÃo MenÉres
em 2018-02-07 12:11:12

Uma imagem absolutamente original e cm uma luz à feição.
Tudo tem para me agradar e lhe dar 5*.

Um abraço.

04
K
Kaipiroska
em 2018-02-07 12:50:34

Ora quem pintou esses "mecos" devia vir aos Açores repintar os nossos que bem precisam, e já agora também trazia um pouco desse céu azul que já se sente falta por estes lados.
Bonita foto com uma luz natural "on the spot"!

05
M
Maria Antonieta
em 2018-02-07 13:17:29

Não sei o que foi escolhido primeiro: se o excerto do livro da Rosa L.Faria, se a fotografia. Só sei que é ali, ao lado daquele meco tombado, que vejo a amiga da Deolinda, essa Mãe coragem, como todas, aliás, dando à luz o seu menino...
Parabéns... Parabens!

06
O
Omar
em 2018-02-07 18:27:43

nice graphical picture - someone touched one of the pilars and some are stolen?

07
M
Manu
em 2018-02-07 18:36:42

Tanto meco para percorrer só podia vir complicar a vida da Deolinda, mas ainda bem que ao sétimo grito a criança nasceu. Este texto é lindo! Linda também ficou esta foto com os pilaretes (mecos) bem definidos nesta curva apertada à direita. Gostei das cores e da perspectiva. Well done! :P

08
S
Steven
em 2018-02-07 19:18:11

An excellent composition from this low PoV!! Not sure I would want to be too close to those bollards. They don't look too safe.

09
W
Willem
em 2018-02-07 19:30:30

A fantastic depth created thanks to the well chosen composition.

10
L
Lis
em 2018-02-07 22:17:22

Primeiro nao sabia que esses sinaletes chamavam 'mecos' ://
A história da Deolinda é forte _ dá pra sentir essa dor que nós mulheres esquecemos logo que o bebê está nos braços :))
Preciso agora descobrir a razão de tanto meco junto_ rs e como conseguiu a façanha de visualizar todos na sua lente,
Abraço, Remusinho

11
D
Dida
em 2018-02-07 23:44:42

Tomara o meu menino tivesse nascido assim com essa facilidade toda.
Não me importava que tivesse nascido no meio de um pinhal a cheirar a resina. Beijava-o tal e qual o fez a Deolinda.
Bela escolha. Gostei.

12
Q
Questiuncas
em 2018-02-08 08:33:18

Eu gosto do sexto meco.
Enquanto os outros estão na sua posição normal, aquele não
Inclinado, como que a querer ver o que há lá para baixo.
Mostra iniciativa, arrojo, coragem.
Vivam os mecos inclinados.
Excelentes cores.

13
C
Carlos Nicolau
em 2018-02-08 12:57:45

Ora como gostei da fotografia, cheia de cor boa luz e perspetiva genial, mas o texto que escolheu para acompanhar nao lhe fica atrás em beleza literária, parabens e abraço

14
L
L Reis
em 2018-02-09 16:45:28

Está ali um meco completamente alcoolizado... o badameco do meco andou na farra até às tantas, de certezinha. Ou isso ou está inclinado para Meca ou será que está com os mirones postos na praia do Meco? Tantas dúvidas, tanta incerteza. Tudo isto prova que o medo de banda, fez, para mim, esta fotografia. É aquele elemento que confere a nota discrepante à imagem. Uma imagem bem composta, agradavelmente apelativa e com os meios todos no sítio.

15
L
L Reis
em 2018-02-09 16:47:49

Leia-se "meco" em vez de "medo". (Alguém mais já desejou dar um tiro de caçadeira no traseiro do corrector automático, ou sou só eu?)

16
M
Mariam
em 2018-02-10 17:38:51

Que maravilha! Os "seus" mecos e as palavras da Rosa! Pbs! Beijinhos

17
A
Ana Lúcia
em 2018-02-12 13:09:14

Cá para mim aquele meco inclinado está a preparar alguma partida de carnaval :P

18
E
Elisa Fardilha
em 2018-02-14 13:08:06

Um texto fabuloso para uma foto extraordinária.
O ondular dos mecos, a cor... etc... etc... têm movimento e "contam" a legenda/história.

Beijinhos.

19
R
Roadrunner
em 2018-02-17 21:52:14

Há ali um que já deve ter levado com alguma Harley...

Saudações!

20
A
Alex
em 2018-02-21 23:31:56

tudo ok... e não digo mais nada... porque está tudo dito! :D

21
R
Remus
em 2018-03-01 21:14:39

Nunca pensei que esta fotografia fosse ter estes comentários todos. Muito obrigado a todos.

Martine Libouton: Merci.
Maria Antonieta: A fotografia nasceu primeiro. Só depois fui à procura de um texto para ela. Obrigado.
Omar: The missing pillar, I believe it has fallen through the ravine. ;-)
Steven and Willem: Thank you.
Lis: Tenho a certeza que por aí também existem mecos em algumas estradas. Principalmente nas estradas mais perigosas. ;-)
L Reis: Porquê culpar os outros pelos nossos erros?! :-P